Introdução
Diz um adágio popular que “só jogam pedras nas árvores que dão frutos”, o apóstolo Paulo enfrentou a veracidade desse apanágio uma vez que foi literalmente apedrejado (2 Co 11.25) devido a amplitude de seu frutífero ministério.
Jesus comissionou inicialmente doze discípulos para uma grande obra que veio instituir aqui na terra. Apesar dos doze terem errado em alguma área, apenas um, além de abandonar a Jesus, O traiu e vendeu.
No período de dez dias após a assunção de Jesus e antes da descida do Espírito Santo, os apóstolos se reuniram para escolher o 13º apóstolo que substituiria Judas Iscariotes. Sendo apresentado Barsabás e Matias, após lançarem sorte, essa recaiu sobre Matias (At 1.26).
Observemos o seguinte, a escolha foi feita sem a presença de Jesus, pois já tinha ascendido aos céus; talvez sem a orientação plena do Espírito Santo, pois o mesmo não tinha descido; submeteram o ato de escolha a álea e não vislumbramos em qualquer parte da bíblia sagrada, nenhuma citação, referência ou alusão ao apóstolo Matias, a não ser no capítulo primeiro de Atos.
Não sabemos que meio foi utilizado para submetê-los a álea. French L. Arrington escreveu que “provavelmente pedras com nomes inscritos eram postas numa vasilha e sacudidas até que uma caísse”[1].
Mesmo sabendo que os apóstolos já tinham recebido o Espírito Santo (Jo 20.22) e que o ato de lançar sorte na bíblia está relacionado com submeter algo à vontade de Deus (Lv 16.8-10; Js 18.6,8) é inegável que esse fato requer uma análise mais acurada.
Autoridade apostólica de Paulo
Por outro lado, o chamado de Saulo, é o oposto ao de Matias, no livro de Atos dos Apóstolos retrata a conversão de Saulo a caminho de Damasco e enfatiza o seu chamado, ao ponto de haver três referências sobre esse chamamento (At 9.1-19; 22.4-11; 26.9-18).
Sendo a mais explicita referência do porquê de o próprio Jesus ressurreto ter aparecido a Saulo em Atos 26:16-18:
E disse eu: Quem és, Senhor? E ele respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te e põe-te sobre teus pés, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, livrando-te deste povo e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrires os olhos e das trevas os converteres à luz e do poder de Satanás a Deus, a fim de que recebam a remissão dos pecados e sorte entre os santificados pela fé em mim.
Além do mais, Paulo escreveu uma grande parte do novo testamento, existem referências de outros apóstolos e várias igrejas fundadas por ele, obras de um verdadeiro apóstolo comissionado por Jesus. Indago quem foi o 13º apóstolo? Será que o apostolado de Matias tem a mesma autoridade que o de Paulo?
Mas o que é autoridade? A palavra autoridade vem do grego exousia (εξουσια)[2] e etimologicamente tem várias acepções[3], mas nos chama a atenção a seguinte: “poder de escolher, liberdade de fazer como se quer”, pois esse poder foi concedido por uma autoridade superior. Conscientizemo-nos que sem a autoridade ministerial que recebemos de nosso Senhor Jesus Cristo, jamais conseguiremos desempenhar com eficácia o serviço cristão.
No capítulo 10 da segunda carta de Paulo aos coríntios, vemos algumas características que ele usa para defender a autoridade apostólica paulina. A primeira atitude que uma pessoa chamada por Deus tem que ter: convicção que foi chamada e autorizada por uma autoridade superior. Se crermos que fomos chamados por homens, teremos a autoridade delegada por esses, se tivermos a convicção que fomos chamados por Jesus, teremos a autoridade conferida por Esse, isso é um real privilégio.
Além da convicção que temos que ter, tem mais duas características de um real apóstolo: integridade e não soberbo.
Integridade
A integridade é ressaltada pelo próprio Paulo ao contestar aos opositores de seu apostolado que afirmavam que as cartas do apóstolo eram graves e fortes, que pessoalmente ele era tímido e falando era desprezível ao passo que ele responde: “Pense o tal isto: quais somos na palavra por cartas, estando ausentes, tais seremos também por obra, estando presentes” (2 Co 10.11).
Às vezes nós lemos um excelente livro e depois conhecermos pessoalmente o autor dessa obra, mas nos decepcionamos quando vemos sua postura “fora do púlpito” ou até mesmo nele. Será que os atuais apóstolos são aquilo que escrevem em seus livros ou que o pregam? Será que pessoalmente têm a mesma postura de quando estão longe dos olhos dos seus discípulos?
A igreja hodierna clama por transparência que é corolário da integridade: “Mas todos nós, com cara descoberta […]” (2 Co 3.18a). Se nossos pais eram íntegros, nós temos que ser mais ainda, vemos máculas em grandes ministérios de atos praticados à surdina, mas difundidos em questões de segundos por todo mundo devido a atual velocidade de disseminação de informações.
Por exemplo, foi errado o ato praticado pela líder da Igreja Protestante da Alemanha, mas nobilíssimo foi ela assumir seu erro e renunciar o cargo que ocupava, assemelhou-se a Davi, diferente de muitos que tentam “tapar o sol com uma peneira”, assemelhando-se a Saul, preferindo que seus liderados vivam sobre a penumbra da dúvida a reconhecerem publicamente seu erro.
Não soberbo
Faço questão de discorrer sobre esta terceira característica, detém uma verdadeira autoridade apostólica quando ele não se gloria em si mesmo tão pouco nas obras dos outros: “Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, mas, sim, aquele a quem o Senhor louva” (2 Co 10.17,18).
Aquele que se gloria a si mesmo é sectarista e denominacionista, estamos saturados de ouvir frases do tipo: “Só aqui você ver milagres” ou “Esse ministério é forte”, com certeza essas expressões não faziam parte das palavras paulinas. E há também aqueles que se glorificam na obra de outrem ou que já estava preparada. Esse segundo caso é o que ficou conhecido no meio evangélico como “pescador de aquário alheio”. O pastor Silas Malafaia é preciso ao afirmar:
Apóstolo é aquele que vem para a base, é o desbravador, o que estabelece a base da Igreja. E esses apóstolos que temos ai? Qual é a deles? É tudo pescador de aquário dos outros. Estão com a Igreja cheia de membros das Igrejas dos outros e ficam pregando em grandes centros. E tem outra coisa: se são apóstolos têm que entregar a direção de suas igrejas. O verdadeiro apóstolo é o que rompe, estabelece a igreja e vai embora. Ah, para com essa brincadeira. É uma insensatez, um modismo barato.[4]
Pescar em aquário alheio é cômodo, anti-bíblico e desprezível. Quem pesca em aquário não sabe os dissabores de ir ao alto mar sujeito as intempéries climáticas, manejar os equipamentos de pescar ou o prazer de pegar o peixe maroto em seu habitat. Por isso Paulo afirma: “para nos não gloriarmos no que estava já preparado.” (2 Co 10.16b). Com certeza por isso o chamado dos dois primeiros apóstolos (Pedro e André) pelo próprio Jesus foi para serem “pescadores de pessoas” (Mt 4.19) e não pescadores de aquário alheio.
Felipe J. L. Campos
NOTAS:
[1] Comentário bíblico pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 630
[2] STRONG, James.
Dicionário bíblico Strong: léxico hebraico, aramaico e grego de Strong. São Paulo: SSB, 2002, p.1351
[3] 1) poder de escolher, liberdade de fazer como se quer; licença ou permissão 2) poder físico e mental
3) o poder da autoridade (influência) e do direito (privilégio) 4) o poder de reger ou governar (o poder de alguém de quem a vontade e as ordens devem ser obedecidas pelos outros).
[4] Entrevista concedida a Revista Eclésia nº 73. Ano VII. Disponível em: